Precursores e o pacto com a presença: a realidade que precede o envio e conduz a jornada

Precursores e o pacto com a presença: a realidade que precede o envio e conduz a jornada

Ao longo da narrativa bíblica e da história de Israel, pode-se perceber a presença de uma vasta lista de líderes de grande importância, que conduziram o povo a grandes êxitos. Homens “estranhos e peregrinos” [1], que andavam em outro ritmo. Seres de valor imensurável, que não mediam esforços em prol de sua missão, “dos quais a terra não era digna” [2]. No entanto, entre eles, três nomes possuem determinada proeminência: Moisés, Davi e João Batista. Provavelmente, tenham sido os principais precursores da História de Israel e, apesar da diversidade presente entre eles, tinham algo em comum: o pacto irrevogável com a presença.

Moisés, o primeiro grande líder do povo que Deus escolheu para “chamar de seu” [3], antes de vir a ser um grande libertador ou mesmo se posicionar diante de Faraó, teve um encontro com a assombrosa presença do Deus Yaweh:

E apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote em Midiã; e levou o rebanho atrás do deserto, e chegou ao monte de Deus, a Horebe. E apareceu-lhe o anjo do Senhor em uma chama de fogo do meio duma sarça; e olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia. E Moisés disse: Agora me virarei para lá, e verei esta grande visão, porque a sarça não se queima. E vendo o Senhor que se virava para ver, bradou Deus a ele do meio da sarça, e disse: Moisés, Moisés. Respondeu ele: Eis-me aqui. E disse: Não te chegues para cá; tira os sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa. Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó. E Moisés encobriu o seu rosto, porque temeu olhar para Deus [4].

Depois de quarenta anos no deserto, onde se casou, teve filhos e estava apascentando as ovelhas de seu sogro – já velho em idade – Moisés viu a monotonia que envolvia seus dias completamente arruinada. Ele não estava contemplando a transcendência (ou onipresença) de Deus, simplesmente, mas a sua imanência (ou manifestação física). Aquele que estava no jardim do Éden, que havia aparecido a Abraão; o ser que é adorado por hostes de anjos e seres celestiais, que possui um trono envolto em “vozes, relâmpagos e trovões” [5], estava diante dos olhos de um mero pastor de ovelhas. Como afirma Art Katz, em seu livro Fundamentos Apostólicos, “Deus não ordenou que Moisés se aproximasse para ver. Era uma necessidade do próprio homem, e se Deus não encontrar o mesmo desejo em nós, nunca entraremos em uma realidade apostólica [de envio]” [6].

Desde antes de seu nascimento, Deus já havia escolhido Moisés para ser aquele que libertaria o Seu povo do cativeiro egípcio. No entanto, como demonstrado por Estevão em sua brilhante pregação diante do Sinédrio, em determinado momento, ele tentou forçar uma espécie de “auto-envio”.

E, quando [Moisés] completou a idade de quarenta anos, veio-lhe ao coração ir visitar seus irmãos, os filhos de Israel. E, vendo maltratado um deles, o defendeu, e vingou o ofendido, matando o egípcio. E ele cuidava que seus irmãos entenderiam que Deus lhes havia de dar a liberdade pela sua mão; mas eles não entenderam [7].

O que faltava, então, a Moisés? Sua sabedoria adquirida durante a criação que recebeu no palácio do Egito e seu poder em obras e palavras não eram suficientes? Não! Lhe faltavam quatro décadas na escola do deserto. Além de ser forjado em seu caráter e ser conduzido pelo Senhor em uma jornada de quebrantamento, Moisés necessitava de um encontro com a temível presença do Deus de seus pais. Anos de preparação e busca por aperfeiçoamento são reduzidos a nada se ainda nos falta a presença. Os homens que Deus escolheu – e está à procura agora mesmo – não sabiam agir ou dar um passo sequer sem a presença. O mesmo Moisés que considerou, em algum momento, estar preparado, depois de contemplar a manifestação do Senhor na sarça ardente, viu-se completamente dependente da presença.

Como, pois, se saberá agora que tenho achado graça aos teus olhos, eu e o teu povo? Acaso não é por andares tu conosco, de modo a sermos separados, eu e o teu povo, de todos os povos que há sobre a face da terra? Então disse o Senhor a Moisés: Farei também isto, que tens dito; porquanto achaste graça aos meus olhos, e te conheço por nome. Então ele disse: Rogo-te que me mostres a tua glória [8].

Junto a Moisés, aliançado com a presença, temos, também, Davi. O jovem que era segundo o coração de Deus, que compreendia Seus anseios, desejos e afeições. E, à semelhança de Moisés, era um pastor de ovelhas e se recusava a se ausentar da presença de Deus. O anelo de Davi era contemplar a glória do Senhor e permanecer no lugar de Sua habitação [9]. Saul, seu antecessor, ter matado mil inimigos enquanto ele havia multiplicado em dez vezes o seu feito, não satisfazia o vazio de sua alma. Depois de ter assumido o trono em Israel, derrotado inúmeros inimigos e obtido sucesso em seus avanços, Deus concedeu descanso ao, agora, rei Davi [10].

Essa benção concedida a Davi, no entanto, possuía um caráter contraditório – tendo em vista “[…] que Davi desejava construir um templo […], esperava-se que o templo proporcionasse descanso a divindade” [11]. O repouso proporcionado a Davi, na verdade, causou a ele grande transtorno. Esse incômodo desesperador o levou ao seguinte questionamento: “Estou morando em um palácio de cedro, ao passo que a arca de Deus continua numa tenda.” [12]. O Senhor estava, em última instância, libertando o jovem rei de todas as suas aflições para que, assim, pudesse estar aflito com uma só coisa: um lugar de habitação para a presença.

A inconformidade do coração do rei de Israel o conduziu ao seu pacto descrito em Salmo 132. O zelo pela casa do Senhor havia consumido seu coração por inteiro [13]. O precursor de Israel ao resgatar a arca da presença de Deus [14] não estaria satisfeito enquanto o desejo máximo de seu Criador não fosse cumprido: habitar com Sua criação. Ele não somente teve um encontro com a presença no início de sua vida, mas compreendeu que essa realidade era a razão de sua existência. Encontramos, nele, um homem da presença. Insatisfeito com somente um encontro pessoal, ele desejava que Deus habitasse no meio de sua nação. Ele sabia que ali, ao redor da presença, residia o sucesso de seu governo. Ele descobriu que nesse lugar havia “plenitude de alegria e delícias perpétuas” [15]. Davi compreendeu a presença de Deus como sendo um banquete interminável!

Enquanto o clamor de Davi era ouvido do palácio, tempos depois ouviu-se uma voz que, com a mesma inconformidade, ecoava do deserto: João Batista, o precursor. Pregando incessantemente a necessidade de arrependimento nos dias que antecederiam a manifestação de Jesus a Israel, tornou-se o cumprimento da palavra profética de Isaías [16]. Ele era a “voz do que clama no deserto”. No entanto, antes de se tornar uma voz, passou por longos anos de preparação no deserto, na ausência dos olhares e aplausos humanos, mas diante da audiência de um só Homem. Antes mesmo de nascer, ainda no ventre de sua mãe Isabel, ele teve um encontro com a presença [17].

João Batista, como outros profetas e comunidades proféticas da época, anunciava a redenção futura de Israel e a vinda de um Messias que restauraria todas as coisas. Na verdade, eles estavam ecoando a mesma mensagem dos profetas do Antigo Testamento. Dessa forma, podemos compreender que o que diferenciava o filho de Zacarias e Isabel das outras vozes não era o conteúdo de sua mensagem em si. A relevância de seu ministério não estava em sua capacidade de argumentação ou em sua boa oratória. Pelo contrário, o povo estava carente de uma verdadeira voz, à procura de alguém que tivesse tido um real encontro com o Deus de seus antepassados.

Dessa forma, depois de um longo período de maturação e preparação no deserto, o Senhor apareceu a João. Como afirmou o teólogo G.E Ladd, “Após alguns anos, aparentemente de meditação e espera por uma manifestação de Deus, ‘veio a voz do Senhor a João’ (Lc. 3:2), em resposta à qual João apareceu no vale do Jordão […]” [18]. João prezou por algo que o Senhor está nos ensinando nesta hora: a espera pela presença. Ele não ousou se mover, erguer a sua voz ou proclamar uma mensagem – que ele havia recebido de Deus! – sem que antes tivesse um encontro com a terrível e majestosa presença de Yaweh. Muito provavelmente ele não ouviu um sussurro no deserto ou algo semelhante à voz de uma pessoa. Do deserto, o precursor de Israel, ouviu um estrondo, algo semelhante a um forte brado. Ele estava tendo um encontro com Aquele que possui a “voz como de muitas águas” [19]. Por isso, o povo não saiu a ver um “caniço agitado pelo vento” [20], mas alguém que havia sido imergido no fogo celestial. Ele, literalmente, “ardia e iluminava” [21].

Da mesma forma, à medida que nos aproximamos do retorno de Jesus, o Senhor está suscitando precursores em toda Terra. Não somente alguns homens e mulheres que, individualmente, liderarão o povo nessa jornada; mas, na verdade, comunidades inteiras de precursores. No entanto, eles não podem ter apenas uma boa mensagem ou clareza teológica. Atrelado a isso, eles precisam ter paixão pela glória. Como os homens citados anteriormente, Deus está os convidando a fazerem um pacto irrevogável com a presença. Eles não irão, não avançarão com o cumprimento da grande comissão, se a presença não for com eles. Como Moisés, se recusarão a ir sem que, antes, Ele lhes mostre Sua glória; semelhantemente a Davi, não se darão por satisfeitos até que o Senhor tenha onde habitar; a exemplo de João Batista, não se ausentarão do deserto até que ouçam a poderosa Voz.

Devemos, hoje, entender que carecemos de um encontro com a glória de Deus, com a sua presença manifesta. Se quisermos ser precursores que preparam o caminho para o retorno de nosso Senhor, é imperativo que compreendamos que não podemos cumprir isso desassociados da presença. Precisamos, urgentemente, adentrar ao lugar terrível no qual Jacó se encontrou com o Senhor [22]; necessitamos contemplar aquilo que Isaías viu e desejar que as mesmas brasas que tocaram a boca do profeta coloquem nossos sermões e palavras em chamas [23]. Buscaremos até que percamos as nossas forças, nossas possibilidades humanas sejam esgotadas e, ao encontramos com Sua presença, a única coisa que nos resta seja cair “aos seus pés como se estivesse morto” [24]. É hora de ouvirmos a Sua voz e aceitarmos o Seu convite que, dia após dia, nos diz: “Suba até aqui […]” [25].

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NOTAS:

[1] Hebreus 11:13 [2] Hebreus 11:38 [3] Êxodo 6:7

[4] Êxodo 3:1-6

 [5] Apocalipse 4:5

[6] KATZ, Arthur. Fundamentos Apostólicos. p. xviii. São Paulo, Ed. Impacto, 2020.

[7] Atos 7:23-25

[8] Êxodo 33:16-18

[9] Salmos 27:4

[10] 2 Samuel 7:1-2

[11] WALTON, John; MATTHEWS, Victor e CHAVALAS, Mark. Comentário histórico-cultural da Bíblia: Antigo Testamento. p. 432. São Paulo, Ed. Vida Nova, 2018.

[12] 2 Samuel 7:2

[13] Salmos 69:10

[14] 2 Crônicas 6

[15] Salmos 16:11

[16] Isaías 40:3-5

[17] João 1:41

[18] LADD, George E. Teologia do Novo Testamento. p.55. São Paulo, Ed. Hagnos, 2003.

[19] Ezequiel 42:3

[20] Mateus 11:7

[21] João 5:35

[22] Gênesis 28:17

[23] Isaías 6

[24] Apocalipse 1:17

[25] Apocalipse 4:1

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