A estrada de terra, daquele tipo laranja, um chinelo Havaianas branco, mas já alaranjado, e o fim de tarde. Depois do cochilo, meu avô começa a convidar alguns netos para se juntar a ele na caminhada até o ‘banquinho’, como costumamos chamar. Uma caminhada de 10 minutos que pode durar até 30, dependendo da prosa. A proposta era simples: a gente caminhava até lá, com as crianças pegando pedras e jogando no mato ao longo do caminho. Quando chegávamos, sentávamos — com sorte, pegávamos alguns abacates no pé para bater vitamina durante a semana — e, então, era só desfrutar do pôr do sol. Que maravilha ver as montanhas de Minas Gerais escondendo o sol pouco a pouco! Antes de escurecer completamente, voltávamos para casa. O que essa pequena história lhe traz à mente? Para mim, o sorriso de uma boa lembrança.
Frequentemente, o título daquele filme estrelado por Will Smith, À Procura da Felicidade, vem à minha mente. Parece-me que, inquestionavelmente, uma das maiores ambições do ser humano é justamente isso: ser feliz. No caso dos mais jovens, isso se manifesta na busca desenfreada pelo prazer imediato, nas paixões da mocidade. À medida que envelhecemos, desenvolvemos padrões de felicidade um pouco mais duradouros, que se assemelham mais ao conforto. No fim das contas, construímos tão profundamente dentro de nós uma expectativa de que, ao alcançarmos isto ou aquilo, finalmente seremos felizes, contentes, alegres e satisfeitos.
Mas o que muitas vezes não percebemos é que a vida em busca de algo que nos traga felicidade é, em essência, uma vida de tristeza no presente. Desejar coisas que finalmente nos farão satisfeitos é assumir um estado de insatisfação atual. Nesse momento, deparamos-nos com um problema existencial tão profundo que leva muitos a se afundarem em um mar de sentimentos que nem conseguem nomear. A verdade é que, no fim do dia, estamos tristes. Não digo que passamos nossos dias reclamando da existência – embora alguns o façam –, mas o ponto principal é nos questionarmos profundamente: temos prazer em nossas vidas? Somos realmente felizes?
Para o povo de Deus, a busca por essa felicidade humana não deveria ser a força motriz da vida; isso, na verdade, é seguir o curso deste mundo, o espírito desta era. Aqueles que seguem a Cristo deveriam ter outro tipo de ambição e busca. À primeira vista, pode parecer que estamos falando da mesma procura que esta era tem, mas, ao prestarmos atenção, percebemos que elas divergem completamente. Os que seguem a Cristo devem desejar ser satisfeitos e felizes em Cristo, e somente nEle. A verdadeira felicidade cristã surge de uma satisfação profunda na pessoa de Cristo e na obra do evangelho.
Quando reconhecemos que fomos criados para a glória de Deus e que Ele é o centro de todas as coisas, entendemos que a felicidade que buscamos não está em alcançar objetivos terrenos, mas em sermos preenchidos por Ele. Como John Wesley escreveu em sua “Oração de Aliança”: “Coloca-me onde quiseres… Deixa-me ter todas as coisas ou não ter nada. Renuncio livremente a todas as coisas para Tua glória.” Esse tipo de entrega nos permite sacrificar sorrindo, pois sabemos que em cada renúncia há uma bênção maior – a de sermos satisfeitos em Deus.
A vida cristã não significa buscar o nosso próprio bem-estar. Em Mateus 16:25, lemos: “Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá, mas quem perder a sua vida por minha causa a encontrará.” Tentamos, atualmente, adaptar a felicidade segundo os padrões desta era, buscando uma mensagem que simplesmente melhore nossas vidas, em vez de batalhar por uma verdade que transforme nosso interior. Contudo, em Mateus 16:25, Jesus nos lembra: “Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá, mas quem perder a sua vida por minha causa a encontrará.” Esse versículo revela uma profunda verdade: a verdadeira felicidade não é encontrada na preservação de nossas vidas conforme os moldes desta era, mas na entrega completa a Cristo, onde o que parece ser perda se transforma em ganho eterno.
“Finalmente, meus irmãos, alegrem-se no Senhor”[1], é o que saiu dos lábios de um apóstolo prisioneiro. Alegrem-se no Senhor, gritou Paulo do meio de suas algemas! Não é completamente antagônica essa alegria que encontramos nas Escrituras? Que felicidade é essa? A alegria bíblica nos convida a ver o sofrimento e os desafios com outra perspectiva, considerando todas as coisas como perda comparadas ao valor de conhecer a Cristo, sacrificando com o coração leve, porque sabemos que cada renúncia é, na verdade, um caminho para a verdadeira felicidade. Talvez, sob essa perspectiva, não devêssemos continuar chamando o que fazemos de sacrifício. Essa pode não ser a melhor palavra para descrever nossas ações, ou talvez devêssemos aprimorar o contexto no qual a usamos.
Somos convidados a abandonar uma vida de insatisfação por uma de contentamento eterno. A felicidade cristã não é apenas um sentimento passageiro, mas uma satisfação profunda que nos conduz a glorificar a Deus em tudo. Uma vida dedicada inteiramente à graça é uma vida essencialmente feliz!
A alegria não está em estar completo, nem na falta, mas no presente vivido com satisfação e perseverança. Guimarães Rosa afirmou: “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”[2]. Encontramos verdade nessas palavras, repletas de graça comum; a alegria está em caminhar! Não se encontra na plenitude de um apartamento dos sonhos, nem no desejo voraz de vencer na vida. Para nós, satisfação – alegria plena – vem da suficiência de Deus.
Somos um povo alegre porque podemos participar da natureza divina e de sua travessia. O Senhor não está brincando de esconde-esconde conosco, nem conduzindo um tipo de jogo macabro em que vivemos almejando um avivamento que nunca chega ou uma vitória financeira profetizada com códigos e enigmas a serem desvendados. Não! Deus é completude, alegria presente, descanso e prazer na jornada.
Sou do interior de Minas Gerais, cresci com churrascos recheados de moda viola e bastante historia caipira. Um das primeiras musicas que aprendi a tocar no violão foi a Cio da Terra escrita por Milton Nascimento e eternizada nas vozes de Pena Branca e Xavantinho.
Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão
Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel
Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão[3]
Particularmente, essa canção me faz lacrimejar todas as vezes que a ouço. A simplicidade da vida sertaneja é um encanto! É nos detalhes ordinários que a satisfação se faz presente: no cheiro do café recém-passado, na explosão de sabor ao comer uma refeição bem preparada, no riso despreocupado enquanto se caminha pelas ruas molhadas de chuva e sente a brisa gelada. O extraordinário revestido de ordinário que encanta os olhos dos que estão atentos e sensíveis. O que seria apenas o movimento diário transforma-se em um ato de adoração e em um vislumbre do Reino. Nisso, encontramos o segredo de uma vida ardente, aquela que vibra na expectativa de um avivamento e do cumprimento das promessas messiânicas, não como uma espera vazia, mas como uma jornada de passos bem dados, onde o presente se preenche de significado e a esperança pulsa em cada batida do coração. A alegria é, portanto, uma ambição em Deus e um contentamento profundo na vida.
Esbravejamos contra os céus e buscamos razões para culpar nossas frustrações, mas talvez nossa reflexão devesse ser mais simples do que parece. Seria sábio, ao meu ver, começarmos nos perguntando: quando foi a última vez que glorifiquei a Deus sendo feliz? Quando desfrutei de uma refeição, realmente prestando atenção àquele momento, sem rolar o feed do Instagram? Será que as caminhadas matinais em direção ao trabalho são apreciadas como uma criança que descobre cantos mágicos na mesma casa todos os dias ao brincar? Reclamamos da chuva e do sol, da dieta e dos quilos que ganhamos, da mensagem dura do pastor, mas também da falta de radicalidade nos púlpitos. Talvez devêssemos parar, respirar, arrumar o quarto, colocar uma boa música, abrir um bom livro, passar um café – ou chá – e respirar de novo. Agora, pense: como manter uma ambição em Deus e um contentamento profundo na vida? Desfrute a jornada.
Talvez se construirmos uma imagem fique mais claro. Imagine um rio com belíssimas montanhas, florestas e animais em suas margens. Em cada curva, é certo que se encontrarão belezas ainda maiores; no entanto, as curvas são um pouco imprevisíveis. Não se domina o rio, mas é somente nele que se podem descobrir as paisagens mais deslumbrantes e, por fim, chegar ao oceano, essa infinita imensidão de água e beleza.
O que frequentemente acontece é que alguns nadadores desse rio se especializam em conhecê-lo melhor. Eles fazem aulas de natação e se planejam para fincar suas estacas em margens seguras, bonitas, mas, acima de tudo, confortáveis. Já outros aprendem a nadar por instinto, como uma criança que aprende porque o irmão mais velho a jogou na piscina de adultos, esperando que ela desenvolvesse reflexos de sobrevivência. Esses nadadores são mais destemidos, acostumados com o incerto, e geralmente vivem sonhando com paisagens ainda não vistas e com o glorioso oceano. Costumam não ter raízes firmes em lugar algum e, muitas vezes, nem conseguem apreciar a paisagem onde estão.
Ambos os tipos de nadadores não estão realmente felizes. Um está preso ao conforto, mas percebe que nunca se satisfaz com o que tem, pois sua alma clama por uma beleza maior. O outro vive numa busca tão radical que acaba se perdendo na jornada. A proposta aqui é simples: deseje o oceano e as novas paisagens, mas faça isso nadando sem pressa, parando para apreciar a beleza ao longo do caminho. O rio eventualmente encontrará o oceano, especialmente se o fogo do desejo por algo maior for mantido com zelo. A alegria é arder em expectativa em Deus e se deleitar na vida.
O convite para peregrinar com Deus não é um afastamento da realidade, mas um agarrar-se ao cotidiano com a certeza de que, ao caminhar, não o faz sozinho, mas com Deus. Há tempos prego sobre uma vida de andar com Deus; chegou até a virar um box de livros que lancei[4]. Mesmo sem entender plenamente a profundidade da minha própria mensagem, é por ela que me apaixono cada vez mais: a caminhada com Deus. É preciso reposicionar o olhar nas coisas reais, enxergar como Deus enxerga. Como o de ver amigos como os presentes mais preciosos que podemos ter, e não apenas como um network para alcançar o sucesso. Ver como o Senhor vê é ser contente e satisfeito, encontrando vislumbres da Divindade nas coisas desprezadas pelos vencedores desta era. Tornou-se minha ambição de vida: ser feliz!
“Que o Deus da esperança os encha de toda alegria e paz, por sua confiança nele, para que vocês transbordem de esperança, pelo poder do Espírito Santo.” Ro 15:13
[1] Filipenses 3:1
[2] ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. 27. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
[3] Milton Nascimento e com letra de Chico Buarque, lançada em 1977
[4] https://www.goodvillages.com/livros/
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